terça-feira, 31 de março de 2009

Ainda a Ceifadora..


É isso mesmo... não é uma história de mentirinha, ela está mesmo presa à nossa rede e vem logo depois de nós. Por mais que tentemos correr pra longe dela.

Enquanto não a acolhermos em nosso pequeno iglu não seremos curados.

O que vocês acham? Isso é uma punição? Ter ao seu lado algo ruim, assustador e inevitável??

Ou uma porta aberta para a cura?Onde através dela, Da Mãe Kali, da Mãe Morte, finalmente fecharemos nossas feridas... e como é doloroso tratar as feridas... dói, arde, é terrível. É muito melhor deixar necrosar, assim nem sentiremos que a ferida está ali... pois ela nos fará apodrecer aos poucos.

Louvada seja a Deusa Kali Ka, por trazer junto com sua terrível punição os remédios para finalmente curar minhas feridas... dói, dói muito... mas é necessário, assim voltarei a sentir minha alma viva e reluzente, minha alma que antes apodrecia da escuridão do ego.

Obrigada ó Grande Mãe pelas dores, pelas lágrimas, pelo desespero, que agora se transformam, ao seu lado, em amor, paz, tranquililidade e alívio!!

Bentita seja A Ceifadora! Bendita seja do fundo do meu coração!

domingo, 29 de março de 2009

A Ceifadora




“Ela havia feito alguma coisa que seu pai não aprovava, embora ninguém mais se lembrasse do que havia sido. Seu pai, no entanto, a havia arrastado até os penhascos, atirando-a ao mar. Lá, os peixes devoraram sua carne e arrancaram seus olhos. Enquanto jazia no fundo do mar, seu esqueleto rolou muitas vezes com as correntes.Um dia um pescador veio pescar. Bem, na verdade, em outros tempos muitos costumavam vir a essa baía pescar. Esse pescador, porém, estava afastado da sua colônia e não sabia que os pescadores da região não trabalhavam ali sob a alegação de que a enseada era mal-assombrada.O anzol do pescador foi descendo pela água abaixo e se prendeu - logo em que! - nos ossos das costelas da Mulher-Esqueleto. O pescador pensou: “Oba, agora peguei um grande de verdade! Agora peguei um mesmo!” Na sua imaginação, ele já via quantas pessoas esse peixe enorme iria alimentar, quanto tempo sua carne duraria, quanto tempo ele se veria livre da obrigação de pescar. E enquanto ele lutava com esse enorme peso na ponta do anzol, o mar se encapelou com uma espuma agitada, e o caiaque empinava e sacudia porque aquela que estava lá embaixo lutava para se soltar. E quanto mais ela lutava, tanto mais ela se enredava na linha. Não importa o que fizesse, ela estava sendo inexoravelmente arrastada para a superfície, puxada pelos ossos das próprias costelas.O pescador havia se voltado para recolher a rede e, por isso, não viu a cabeça calva surgir acima das ondas; não viu os pequenos corais que brilhavam nas órbitas do crânio; não viu os crustáceos nos velhos dentes de marfim. Quando ele se voltou com a rede nas mãos, o esqueleto inteiro, no estado em que estava, já havia chegado a superfície e caia suspenso da extremidade do caiaque pelos dentes incisivos. - Agh! - gritou o homem, e seu coração afundou até os joelhos, seus olhos se esconderam apavorados no fundo da cabeça e suas orelhas arderam num vermelho forte.- Agh! - berrou ele, soltando-a da proa com o remo e começando a remar loucamente na direção da terra. Sem perceber que ela estava emaranhada na sua linha, ele ficou ainda mais assustado pois ela parecia estar em pé, a persegui-lo o tempo todo até a praia.Não importava de que jeito ele desviasse o caiaque, ela continuava ali atrás.Sua respiração formava nuvens de vapor sobre a água, e seus braços se agitavam como se quisessem agarrá-lo para levá-lo para as profundezas.- Aaagggggghhhh! - uivava ele, quando o caiaque encalhou na praia. De um salto ele estava fora da embarcação e saia correndo agarrado a vara de pescar.E o cadáver branco da Mulher-esqueleto, ainda preso a linha de pescar, vinha aos solavancos bem atrás dele. Ele correu pelas pedras, e ela o acompanhou.Ele atravessou a tundra gelada, e ela não se distanciou. Ele passou por cima da carne que havia deixado a secar, rachando-a em pedaços com as passadas dos seus mukluks.O tempo todo ela continuou atrás dele, na verdade até pegou um pedaço do peixe congelado enquanto era arrastada. E logo começou a comer, porque há muito, muito tempo não se saciava. Finalmente, o homem chegou ao seu iglu, enfiou se direto no túnel e, de quatro, engatinhou de qualquer jeito para dentro. Ofegante e soluçante, ele ficou ali deitado no escuro, com o coração parecendo um tambor, um tambor enorme. Afinal, estava seguro, ah, tão seguro, é, seguro, graças aos deuses, Raven, é, graças a Raven, é, e também a todo-generosa Sedna, em segurança, afinal. Imaginem quando ele acendeu sua lamparina de óleo de baleia, ali estava ela - aquilo - jogada num monte no chão de neve, com um calcanhar sobre um ombro,um joelho preso nas costelas, um pé por cima do cotovelo. Mais tarde ele não saberia dizer o que realmente aconteceu. Talvez a luz tivesse suavizado suas feições; talvez fosse o fato de ele ser um homem solitário. Mas sua respiração ganhou um que de delicadeza, bem devagar ele estendeu as mãos encardidas e, falando baixinho como a mãe fala com o filho, começou a soltá-la da linha de pescar.- Oh, na, na, na. - Ele primeiro soltou os dedos dos pés, depois os tornozelos.- Oh, na, na, na. - Trabalhou sem parar noite adentro, até cobri-la de peles para aquecê-la, já que os ossos da Mulher-esqueleto eram iguaizinhos aos de um ser humano.Ele procurou sua pederneira na bainha de couro e usou um pouco do próprio cabelo para acender mais um foguinho. Ficou olhando para ela de vez em quando enquanto passava óleo na preciosa madeira da sua vara de pescar e enrolava novamente sua linha de seda. E ela, no meio das peles, não pronunciava palavra - não tinha coragem - para que o caçador não a levasse lá para fora e a jogasse lá embaixo nas pedras, quebrando totalmente seus ossos.O homem começou a sentir sono, enfiou-se nas peles de dormir e logo estava sonhando.Às vezes, quando os seres humanos dormem, acontece de uma lágrima escapar do olho de quem sonha. Nunca sabemos que tipo de sonho provoca isso, mas sabemos que ou é um sonho de tristeza ou de anseio. E foi isso o que aconteceu com o homem.A Mulher-esqueleto viu o brilho da lágrima a luz do fogo, e de repente ela sentiu uma sede daquelas. Ela se aproximou do homem que dormia, rangendo e retinindo,e pôs a boca junto a lágrima. Aquela única lágrima foi como um rio, que ela bebeu,bebeu e bebeu até saciar sua sede de tantos anos.Enquanto estava deitada ao seu lado, ela estendeu a mão para dentro do homemque dormia e retirou seu coração, aquele tambor forte. Sentou-se e começou a batucar dos dois lados do coração: Bom, Bomm!... Bom, Bomm!Enquanto marcava o ritmo, ela começou a cantar em voz alta.- Carne, carne, carne! Carne, carne, carne!- E quanto mais cantava, mais seu corpo se revestia de carne.Ela cantou para ter cabelo, olhos saudáveis e mãos boas e gordas. Ela cantou para ter a divisão entre as pernas e seios compridos o suficientepara se enrolarem e dar calor, e todas as coisas de que as mulheres precisam.Quando estava pronta, ela também cantou para despir o homem que dormiae se enfiou na cama com ele, a pele de um tocando a do outro. Ela devolveu o grande tambor, o coração, ao corpo dele, e foi assim que acordaram, abraçados um ao outro,enredados da noite juntos, agora de outro jeito, de um jeito bom e duradouro.As pessoas que não conseguem se lembrar de como aconteceu sua primeira desgraça dizem que ela e o pescador foram embora e sempre foram bem alimentados pelas criaturas que ela conheceu na sua vida debaixo d'água.As pessoas garantem que é verdade e que é só isso o que sabem.”






Já falei várias vezes aqui sobre o ciclo da "vida- morte-vida.
Quando entederemos este ciclo, já que o que nos mostram é somente um começo e um fim.
A Ceifadora, A Morte, Ela vêm, a Deusa do Sangue e da Dor. Ela é inevitável.
Quando, em fim, compreenderemos que assim como o pescador que enrroscou sua linha nos ossos da Mulher Esqueleto e tentando fugir só fez com que ela criasse mais vida rebatendo seus ossos presos à ele, nós não poderemos fugir desse ciclo, nem muito menos viver sem ele, em uma vida morna presos em nosso iglu saindo de vez em quando pra pegar um peixe no lago congelado do nosso self.


Assim como o pescador, acenda a vela, aqueça o Os Ossos da Mulher Esqueleto, e verá o quão doce ela se tornará. ela irá te sugar a vida, te enfraquecerá, sugará sua alma e sua energia, ela te matará aos poucos, e quando você acordar ela estará ao seu lado, cheia de carne, com seios fartos, cabelos longos, mãos gordas e serão essas mãos que finalmente te devolverão o seu coração e tudo que precisa para se recuperar.


Desenrrosque a linha do anzol e a deixe ficar... você não estará mais só, nunca mais.
História retirada do livro "Mulheres que Correm com os Lobos de Calrissa Pínkola Estés."
Imagem "Chalchiuhtlicue, a Deusa asteca Mãe nutridora"


sexta-feira, 6 de março de 2009

Não serei breve...


Todos os dias quando vou e volto do trabalho eu leio...no momento estou lendo o segundo volume de Ramsés antes disso, em janeiro deste ano quando comecei a trabalhar neste emprego eu li "O Silêncio dos Domingos" Mulheres que correm com os lobos", comecei a ler cem anos de solidão mas não gostei e não terminei. Sempre escolho um lugar no ônibus onde a lâmpada esteja funcionando... e o horário que eu saio me é favorável por ter pouco movimento de passageiros. Assim mergulhada nos livros, eu não vejo a estrada, nem os carros, nem as pessoas na calçada, nem as que entram do ônibus, nem as que saem do ônibus. Mergulho completamente na história como se vivesse no corpo de cada personagem, tento sentir suas emoções, temores. imagino cada detalhe de cada cena descrita. Assim, eu nem percebo que aquele caminho me leva de volta pra solidão em que vivo. Nem percebo ...
Cada dia que passa, mergulho mais e mais nas histórias, quanto mais difícil se torna mais eu leio e leio... e assim eu chego.
Quando chego o meu encontro com a solidão que me esperou durante o dia inteiro é até calorosa... visto que ela é a única que ainda me espera. Ela nunca me deixou, sempre está comigo, gelada e úmida como uma mancha de mofo na parede. Mas está aqui sempre que chego.
Cansada, ela logo me chama para deitar-me ao seu lado, e eu obediente e partilhando de seu cansaço logo durmo.

Vou dormir pensando no amanhã onde novas páginas serão lidas e novamente ela me recepcionará.
E assim passam-se meus dias... em páginas escritas que estão grudando em mim.
aos poucos perco o sentido da vida... aos poucos os livros acabam, a última página é lida , a história termina e lá vou eu atrás de outra. Sempre julgando ser a mais nova melhor que a anterior... e a próxima melhor que a última. E assim vai... assi não preciso olhar o movimento dos carros nem das pesoas, nem de mim mesma. Por mim ficaria ali mesmo, não desceria nunca do ônibus eestaria sempre indo embora... sempre , sempre... indo e indo ... embora pra onde não sei mas lendo e indo embora pra nunca mais me encontrar com a solidão deixá- la esperando pra sempre, assim me vingaria dela .
Alguém pode por favor escrever um livro tão extenso quanto a minha vida? Pra que ele se acabe junto comigo?
Por favor.